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Posicionamento da Campanha Global sobre o 2do Draft revisado do Tratado Vinculante

Global Campaign

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POSICIONAMENTO DA CAMPANHA GLOBAL SOBRE O SEGUNDO DRAFT REVISADO DO TRATADO VINCULANTE

 

 
27 de Agosto de 2020

 


Re: Publicação da “2º draft revisado” para a negociação do “Instrumento internacional legalmente vinculante para regulamentar as atividades das empresas transnacionais (TNCs) e outras empresas no que diz respeito aos direitos humanos”.

 

As organizações-membro da Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Por fim à Impunidade tomam conhecimento da publicação do Draft revisado do tratado vinculante. Publicado em 6 de agosto de 2020, o novo texto é a base para a negociação de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre as empresas transnacionais (ETNs) em relação aos direitos humanos. O texto é parte do processo iniciado com a aprovação da Resolução 26/9 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e como resultado dos debates estabelecidos na quinta sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental em outubro de 2019.

 

É preciso lembrar que o desenvolvimento de instrumentos internacionais para proteger direitos humanos tem como objetivo responder às violações perpetradas e sem resposta, fruto das lutas históricas dos movimentos sociais e das comunidades afetadas, bem como dos avanços conquistados ao longo de décadas, com o objetivo de ampliar o leque de garantias à dignidade humana.

 

Para estar em consonância com a lógica e a justificativa da Resolução 26/9, o Tratado Vinculante deve ser um instrumento jurídico que avance em relação aos mecanismos já existentes em âmbito internacional. Por exemplo, deve ir além dos Princípios Orientadores da ONU que, embora tenham desempenhado um papel no processo até o momento, são insuficientes para preencher a lacuna de responsabilização das transnacionais e garantir o acesso à justiça para aqueles afetados por suas operações. O tratado vinculante deve lidar com o vazio regulatório legal que existe atualmente no tocante às TNCs.

 

Portanto, após uma primeira leitura da nova minuta, gostaríamos de expressar nossa preocupação com os aspectos problemáticos que poderão impedir que o futuro instrumento atinja seu objetivo de regular as atividades das empresas transnacionais. De uma forma geral, apesar de alguns desenvolvimentos positivos, o 2º draft ainda segue a linha do anterior ao ser fraco nos aspectos fundamentais necessários para atingir o seu real propósito, previsto no mandato estabelecido pela Resolução 26/9. É como se o presente tratado tivesse perdido sua alma.

 

Em primeiro lugar, é mantida e agravada a ampliação do escopo do instrumento à todas as empresas, indistintamente, ao contrário da finalidade histórica do instrumento e da Resolução 26/9 que se refere claramente a empresas “com atividade transnacional”. Além disso, é necessário destacar que muitas das propostas feitas por movimentos sociais, representantes de comunidades afetadas e até mesmo estados durante a quinta sessão não foram contempladas. Entre outros, destacamos: a ausência de reconhecimento das obrigações diretas das transnacionais de respeitar os direitos humanos; a omissão de referência às cadeias globais de valor, pilares da arquitetura corporativa internacional; a falta de mecanismos jurídicos internacionais eficazes para fazer valer o Tratado e sancionar em caso de não cumprimento, como a proposta de um tribunal internacional; e a falta de reconhecimento inequívoco da primazia do direito internacional dos direitos humanos sobre quaisquer outros instrumentos jurídicos, em particular sobre acordos de comércio e investimento. Também nos salta aos olhos a deficiência das disposições que tratam do problema da captura corporativa, uma questão central para neutralizar as drásticas assimetrias de poder entre as grandes empresas transnacionais e os Estados, especialmente no sul global.

 

Além disso, o projeto de tratado torna a não impor a responsabilidade conjunta e solidária a todas as empresas envolvidas numa violação ao longo da cadeia de valor global e, em geral, enfraquece o texto anterior relativamente à responsabilidade das empresas-mãe e/ou controladoras.

 

Essas deficiências representam um grande risco para a eficácia do tratado, diluindo os esforços para regular todos os aspectos da arquitetura corporativa transnacional e acabar com a consequente impunidade. Em vez disso, tal como está, o draft opta por disposições mais genéricas que, em última análise, dependem da vontade política dos Estados-nação. Enfim, estamos diante de um projeto de tratado esvaziado em seu alcance transnacional, ou seja, de sua razão de ser.

 

Gostaríamos de levantar um último importante elemento. Uma negociação como esta, na qual a participação ativa da sociedade civil, de movimentos sociais e em particular de grupos que representam as pessoas afetadas pelas violações de Direitos Humanos tem sido um dos pilares centrais deste processo, deve ter em conta as circunstâncias geradas pela pandemia de Covid-19. Existem muitos obstáculos para garantir uma participação satisfatória nas negociações, incluindo as atuais crises enfrentadas por muitos países, especialmente no Sul Global, o que implica na impossibilidade ou risco para viajar e estar presente na negociação. A pandemia também cria sérios desafios para apoiar e mobilizar as comunidades e pessoas envolvidas para que levem as suas exigências à mesa das negociações. É evidente que estes desafios não nos permitirão o nível de engajamento que esteja à altura da importância deste tratado.

 

Neste sentido, consideramos que não estão dadas as condições adequadas para que a sexta sessão do Grupo de Trabalho prossiga como uma sessão de negociação, e que em vez disso devem ser exploradas alternativas, como, por exemplo, a realização de consultas sobre o novo draft, que deve satisfazer condições claras para assegurar a inclusão e a participação da sociedade civil. A realização das negociações num contexto em que a participação social é diminuída corre o sério risco de comprometer a contribuição essencial da sociedade civil, em particular daqueles afetados pelas atividades das ETNs. Tentar avançar nestas condições deterioraria assim a legitimidade de um processo até agora muito rico, precisamente devido à participação ativa de uma ampla gama de atores, em particular da sociedade civil e dos povos afetados.

 

Para mais detalhes: Raffaele Morgantini (contact@cetim.ch)

 

Para mais informações: https://www.stopcorporateimpunity.org/binding-treaty-un-process/

 

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